Paulo Silva Pinto
Correio Braziliense
- 27/09/2013
Ao proibir o Senado de pagar salários acima do teto
constitucional, de R$ 28 mil, o TCU determinou também a devolução de cerca de
R$ 300 milhões que 464 servidores receberam a mais desde 2008
Sindicato quer derrubar ressarcimento de salários acima do
teto recebidos por funcionários do Senado. Servidores da Câmara conseguiram
suspender aplicação do limite
Não vai ser tranquilo o percurso de volta aos cofres
públicos dos cerca de R$ 300 milhões recebidos indevidamente por 464
funcionários do Senado com remunerações acima do teto dos servidores — se é que
haverá retorno. Na quarta-feira, o plenário do Tribunal de Contas da União
(TCU) proibiu o pagamento de salários acima de R$ 28 mil, valor da remuneração
dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que, segundo a Constituição,
deve ser o limite para todos o funcionalismo. Determinou também a devolução de
tudo o que foi recebido acima desse teto, nos últimos cinco anos, além de horas
extras, gratificações indevidas e jornadas de trabalho não cumpridas. Auditoria
do TCU identificou contracheques de até R$ 45.963 em 2009, quando foi
realizada.
O Sindilegis, sindicato que representa os trabalhadores do
Legislativo, já anunciou que vai ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a
obrigação de ressarcimento. Mas, com muito menos esforço, será possível
derrubar, ou pelo menos adiar, a decisão. Os funcionários do Senado podem
recorrer ao próprio TCU, um tribunal administrativo vinculado ao Congresso
Nacional. Os da Câmara dos Deputados fizeram isso, com sucesso. E, no caso
deles, a decisão era bem mais branda do que a que atinge agora os colegas da outra
casa legislativa.
Há um mês, depois de analisar auditoria sobre a folha da
Câmara, o TCU deu prazo de 60 dias para a suspensão dos pagamentos acima do
teto, mas não mandou devolver o dinheiro recebido a mais. Funcionários entraram
no TCU com pedidos de embargo, para que a decisão fosse reconsiderada.
Resultado: até a análise do recurso, eles continuam ganhando acima do teto.
No terreno judicial, o Sindilegis já prepara a ofensiva
contra a decisão que atingiu os servidores do Senado. Anunciou ontem que entrará
com ação no STF assim que for publicado o acórdão da decisão do plenário do
TCU. “Causou-nos surpresa a ordem de devolução”, declarou o presidente do
sindicato, Nilton Paixão. Segundo ele, uma coisa é certa: os servidores não
terão de restituir os valores recebidos em excesso.
Paixão diz apoiar sua expectativa em decisões judiciais já
tomadas em casos semelhantes. “Parte-se do pressuposto de que as pessoas agiram
de boa-fé, afinal, a má-fé tem de ser provada. O servidor que presta um
concurso não negocia sua remuneração com o poder público. Ele não tem como
decidir o que vai receber”, alegou.
Em parcelas
A expectativa de Paixão dilui o otimismo do presidente do
Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que anunciou ontem o ressarcimento do
Tesouro Nacional por parte dos funcionários. “De pronto, vamos seguir a decisão
e cobrar o que foi liberado indevidamente ao servidor. Os salários serão pagos
como manda a Constituição, dentro do limite do teto constitucional. E a
devolução também será implementada”, disse Renan, após reunir-se com o
presidente do TCU, Augusto Nardes.
Depois disso, a assessoria de Renan distribuiu uma cópia de
trecho da Lei 8.112, segundo o qual o ressarcimento de um valor recebido a mais
por servidores públicos pode ser feito em parcelas, e cada uma não pode
comprometer mais do que 10% da remuneração mensal. Os salários do Senado são
pagos por volta do dia 20 de cada mês. Assim, segundo o Sindilegis, há tempo de
sobra para uma intervenção judicial, caso prevaleça a ordem de ressarcimento,
que ele considera injusta.
O próprio Nardes reconheceu, após o encontro com Renan, que
a palavra final sobre a restituição dos salários ainda está longe. Ao dizer que
a decisão do TCU sobre o Senado foi “contraditória” em comparação à que atingiu
a Câmara, ele explicou que o Ministério Público poderá apresentar um recurso
para que ambas sejam harmonizadas. “O plenário é soberano e poderá decidir pela
devolução ou não nos dois casos”, afirmou.
A defesa dos supersalários se baseia no fato de que alguns
ministros do STF recebem um bônus de R$ 3 mil, porque também atuam no Tribunal
Superior Eleitoral (TSE). Mas a interpretação é bem generosa: serve para
justificar qualquer pagamento além do salário-base. Com isso, há pessoas no
Congresso Nacional que recebem mais de R$ 50 mil, algumas até de nível médio,
conforme revelou reportagem publicada pelo Correio em 17 de julho.
“Essa situação do teto é complexa”, alegou Paixão, do
Sindilegis. “O Congresso precisa ter a coragem de enfrentar o problema e
aprovar uma lei que regulamente definitivamente isso”, defendeu ele que, no
entanto, não prepara ação sobre o assunto — o foco do sindicato é cancelar a
devolução. No julgamento de quarta-feira, porém, os ministros do TCU decidiram
que é autoaplicável o dispositivo constitucional que fixa o salário do ministro
do STF como limite para o funcionalismo.
Para o secretário-geral da ONG Contas Abertas, Gil Castello
Branco, não é necessária uma lei, apenas mais transparência na divulgação dos
salários. “Para ter acesso aos vencimentos de um funcionário do Legislativo, a
pessoa precisa fornecer várias informações sobre si. Tem gente aqui do Contas
Abertas que, depois de conferir o salário de um servidor, recebeu um telefonema
dele, queixando-se, com impropérios, da busca pelos dados”, relatou.
“Muitos funcionários públicos acham que procurar sabe quanto
eles ganham é bisbilhotice. Não é. Há cerca de 10 milhões de servidores no
país. A remuneração deles consome 12% do Produto Interno Bruto (PIB). É algo
que importa a todos no país”, justificou.
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